Todos nós tomamos as nossas atitudes considerando-as corretas, sem defeitos, de acordo com o direito posto. A exceção do delinquente contumaz que ignora a lei repressiva e pouco se lhe dá o resultado de sua conduta. As demais pessoas não cometem ilícitos porque sabem que ilícitos não devem ser cometidos e agem de acordo com o direito vigente. Mesmo quando não há proibição legal, mas as condutas não moralmente reprováveis deixam de praticá-las. Entretanto, isso é exceção mesmo. Tomemos, por exemplo, as infrações de trânsito. Temos consciência da reprovabilidade da conduta, excesso de velocidade, por exemplo, mas quando multados não nos conformamos. Atribuímos à fúria arrecadatória, a política e outras desculpas, e sempre recorremos inconformados.
Há empresas e pessoas que se oferecem para isso, sem um fundamento razoável. Para todas as condutas agimos assim. Quando se tratam de processos criminais, para delitos de maior repercussão, não há quem aceite a reprovabilidade de suas condutas; ou o juiz (ou juízes) foi (foram) injusto, equivocados ou estão em conluio com a grande mídia para persegui-los ou mancomunados com adversários, políticos ou não. É assim. Faz parte da nossa natureza humana. Não se espere, de longe, que alguém investigado, processado ou condenado se conforme, mesmo depois de se utilizar de todos os recursos ao seu dispor, com todas as garantias previstas em lei. Por que o ex-presidente aceitaria o decreto condenatório? Some-se ainda o fato inusitado de que, antes mesmo de se conhecer o resultado, o réu e seus simpatizantes consideravam certa a condenação e ninguém trabalhava com a hipóteses absolutória. Todas as manifestações eram no sentido de deslegitimar o Tribunal, ameaçar os julgadores e seus familiares e não aceitar o resultado que sequer conheciam. Para isso se valiam de vários expedientes para justificar suas teses. Juristas do Brasil e do mundo jurídico internacional, bem como intelectuais de vários seguimentos se manifestaram não aceitando o resultado condenatório. Não conheciam o processo, como não conhecem; opinaram, entretanto, com base no que ouviam dos simpatizantes do processado. Do outro lado, também os mesmos seguimentos emitiram juízos condenatórios desconhecendo o que continham os autos.
Vivemos, por enquanto, em uma república democrática e nessa, existem poderes com funções que lhe são próprias e com exclusividade, tudo regulado na Constituição Federal, imposta pela vontade popular, bem como pelas leis infraconstitucionais. A essa constituição e leis todos nós estamos sujeitos e quando processados pelo Estado, que é a sociedade como um todo, devemos nos sujeitar, embora utilizando todos os recursos legais e constitucionais nos vários graus e instâncias que a lei nos coloca à disposição, exatamente para diminuir o risco de erros. Mas não aceitar essa ordem jurídica legal e constitucional não é democrático.
Os países totalitários, ou os candidatos a tal, não costumam respeitar o estado de direito e a lei posta; e a vontade do governante é a lei. É ele quem diz como deve ser e quem não é inimigo do povo e deve ser executado. Não é isso que desejamos para nosso país. Podemos até não aceitar decisões de poderes. Vencidos, podemos nos inconformar, depois de esgotados todos os recursos, mas é a da essência da democracia e da paz pública que respeitemos o que a ordem legal nos impôs. Essa é a vontade soberana do povo, povo este que é o titular do poder.